Ao aprendermos qualquer idioma, é comum cairmos na armadilha da decoreba. O problema é que as regras gramaticais não são fórmulas, como na Matemática ou na Física. Elas dependem do texto, e às vezes até do contexto, para serem corretamente analisadas. Vejamos alguns problemas:
Problema 1: decorar a “famosa” lista de verbos considerados de ligação (ser, estar, parecer, permanecer, ficar, andar, continuar). O problema é que a função de verbo de ligação é ligar um sujeito a seu predicativo, ou seja, conectar um sujeito a uma característica ou estado a ele atribuído. Sendo assim, a lista só funciona se, depois do verbo, a frase oferecer um adjetivo. Veja alguns exemplos:
Este carro é rápido.
Nós estamos felizes.
Ela parece cansada.
Os suspeitos permaneceram calados.
A menina ficou assustada.
Você anda irritada.
O Rio de Janeiro continua lindo.
Nos exemplos acima, todos os verbos são de ligação. Porém, as frases abaixo trazem verbos da lista, mas que não fazem a função de verbos de ligação:
Nós estamos em casa.
Ele continuou o trabalho.
Neste caso, o primeiro verbo é Intransitivo, e está sendo complementado por um adjunto adverbial de lugar “em casa”, e o segundo é Transitivo Direto, sendo complementado pelo objeto direto “o trabalho”.
Logo, não adianta nada decorar a lista, se não tivermos a frase onde os verbos se encontram. A dica é: aprenda o raciocínio, não se prenda às regras decoradas.
Problema 2: decorar que adjetivos são variáveis, enquanto advérbios são invariáveis. O problema desta regra é só poder ser aplicada no nível de classe gramatical, ou seja, ao analisarmos a palavra por ela mesma, sem o contexto. Veja os exemplos abaixo:
Ele corre rápido.
Nós escrevemos certo em Português.
O craque joga bonito.
Nas três frases os adjetivos estão, na frase, fazendo a função de adjunto adverbial, ou seja, estão indicando o modo como o verbo ocorre. Repare que eles podem ser substituídos sem alteração de sentido por rapidamente, corretamente e belamente. Só para constar, este recurso é chamado processo de derivação Imprópria.
Problema 3: decorar as famosas frases que auxiliam na definição da transitividade verbal e aplicá-las independentemente das frases. As famosas “quem dá, dá algo a alguém”, “quem fala, fala com alguém”, etc. Veja abaixo:
O professor dá aula. (VTD: só “dá algo”)
A mãe deu a criança a adoção. (VTI: mas “dá alguém a algo”)
Nos exemplos acima, já conseguimos ver que as “perguntas decoradas”, citadas no enunciado, não se aplicam. Com o verbo falar, então, a confusão é ainda maior:
Eles falaram o placar. (VTD: algo)
Ela fala com ele. (VTI: fala com)
O palestrante falou ao público. (VTI: fala a)
Eu falei meu nome para ela. (VTDI: fala algo para alguém)
Nós falamos sobre o amor. (VI com adj. adv. de assunto)
Problema 4: decorar que todo verbo acompanhado de preposição tem transitividade indireta. Veja os exemplos abaixo:
Ele morreu de tristeza. (VI com adj. adv. causa)
Não comerei deste fruto. (VTD com prep. enfática)
Venceu ao Chile o Brasil. (VTD com prep. contra ambiguidade)
Outros problemas podem ser causados pela decoreba. Então, vamos perder a preguiça e começar a pensar o idioma.